Três Perguntas aos Demógrafos


É com imenso prazer que informamos que o demógrafo Everton Emanuel Campos de Lima será o convidado desta semana na Série Três Perguntas aos Demógrafos, apresentada pelo Blog dos Estudantes de Demografia da Unicamp. O professor e pesquisador Everton Lima tem experiência na área de conhecimento da Demografia, com ênfase nos Estudos de Fecundidade, Métodos Demográficos e Análises Espaciais de Fenômenos Demográficos. Atualmente participa e coordena projetos de coleta de dados de fecundidade na América Latina e estudos de mortalidade em pequenas áreas no Brasil.

Após essa breve introdução, é com grande satisfação que apresentamos as três perguntas elaboradas para o nosso convidado Everton Lima.

PERGUNTA 1) Como demógrafo, o que você tem a dizer para os atuais e futuros demógrafos com relação aos temas que podem se tornar, daqui alguns anos, mais pertinentes no campo científico da demografia? Quais seriam eles?

A Demografia, devido a seu caráter interdisciplinar, tem a capacidade de dialogar com diferentes campos do conhecimento e áreas afins. Eu diria que nos últimos tempos, além dos temas clássicos que o demógrafo se debruça, há uma demanda crescente por relacionar questões populacionais e mudanças climáticas, por exemplo. Nestes temas de pesquisa, o conhecimento da dinâmica da população em diversos lugares é sem sombra de dúvidas essencial; um demógrafo, por ter bom conhecimento de diversas fontes de dados e na aplicação de métodos quantitativos, tem uma papel fundamental em pesquisas que relacionem clima e população. Por ex. hoje me deparo com vários estudos que analisam questões relacionadas a altas ondas de temperatura e sua relação com medidas demográficas clássicas como, mortalidade infantil, óbitos na infância, mortalidade materna e de idosos. São temas, inclusive, que junto com colegas de outras unidades da Unicamp começamos a trabalhar, através de um projeto interinstitucional financiado pela Lacuna Fund.

Não obstante, claro, também é uma agenda de pesquisa corrente (e com certeza futura) os trabalhos científicos que relacionam demografia e big data, dados computacionais e de redes sociais, bem como o emprego de métodos de aprendizado de máquina para entender questões de saúde e populacionais. Estes são mais exemplos de temáticas quentes, inclusive, que veem há algum tempo sendo desenvolvidas por colegas do departamento de Demografia da Unicamp. Estreitar cada vez mais os laços da Demografia com a Computação já é uma realidade, na minha visão.

PERGUNTA 2) Recentemente você publicou um estudo na Revista Cadernos de Saúde Pública, em que trabalhou a associação entre excesso de mortalidade e partidarismo político. Nesse sentido, como você enxerga a interseção entre ciência política e demografia, e de que maneira suas pesquisas exploram ou abordam essa relação?

Confesso que a realização deste estudo, sobre a relação entre as escolhas eleitorais e o excesso de mortes durante a pandemia, ocorreu de maneira não proposital. Mas meu interesse por correlacionar os dois campos de estudo (ciência política e demografia) é de longa data.

Sempre trabalhei com questões relacionadas a resultados eleitorais e suas associações com variáveis demográficas. No âmbito da minha tese de doutorado, por exemplo, eu analisei variações reprodutivas municipais do Brasil e sua associação às escolhas eleitorais durante o período militar brasileiro. Este trabalho foi muito inspirado nos estudos do meu mentor, Ron Lesthaeghe, que juntamente com o Massimo Livi-Bacci foram os pioneiros em trabalhos que relacionam o comportamento reprodutivo às escolhas eleitorais.

Além da minha tese, já me aventurei (mais recentemente) em explorar associações entre votos no Bolsonaro e variações reprodutivas em pequenas áreas brasileiras. Tendo em mente a premissa que a postura conservadora do ex-presidente poderia estar associada com um eleitorado mais pró-família e, por consequência, com aumentos em níveis de fecundidade nas áreas com maior eleitorado do Bolsonaro. Das primeiras explorações empíricas que fiz com um colega, e utilizando dados de 2018, ao contrário do esperado, vimos que os votos em Bolsonaro não se associaram com maiores níveis de fecundidade ou reprodutivos (estudo em formato preprint disponível através do link https://osf.io/preprints/osf/b8gzx). Acredito que esta seja uma agenda de pesquisa em aberto, e a qual sempre me interessei. Note que com ascensão de figuras políticas e partidos mais à direita no espectro político como a Giorgia Meloni (na Itália), o Viktor Orbán (na Hungria), o Geert Wilders (na Holanda), o Javier Milei (na Argentina), entre inúmeros outros, o discurso pró-família e pró-natalista tem ganhado espaço e holofotes nos últimos anos. Principalmente, num ambiente onde muitos destes países estão em estágios avançados da transição demográfica, com baixos níveis de fecundidade e com altos fluxos migratórios internacionais, seria interessante pesquisar quais seriam as implicações que essas agendas políticas conservadoras podem trazer para o comportamento reprodutivo destes lugares. Seriam estas agendas políticas (mais conservadoras) capazes frear futuras quedas da fecundidade ou até mesmo de levar a fecundidade destes países a níveis de reposição populacional? São perguntas que considero interessantes de serem exploradas por demógrafos.

Voltando à pergunta inicial sobre partidarismo e excesso de mortes, durante a pandemia, trabalhei em vários estudos relacionados a entender o impacto da COVID-19 nas mortes no país. Assim, junto com alguns colegas da Fiocruz/BA/Cidacs e UFBA começamos a pensar em modelos estatísticos para entender quais variáveis melhor se relacionavam com o excesso de mortes visto no curso da pandemia. Despropositadamente, ao analisar os mapas descritivos de excesso óbitos e sua distribuição no espaço, percebemos que tinha um padrão espacial muito semelhante à distribuição espacial do eleitorado Bolsonaro, com fortes concentrações de votos nos municípios do Sul-Sudeste e Centro-Oeste do país, além de grandes centros urbanos de outras regiões do Brasil. Inicialmente, começamos a explorar esta relação com base nos dados da eleição presidencial precedente de 2018. Assim que tivemos acesso aos dados da eleição de 2022, replicamos a análise. Um ponto interessante da análise é que o padrão espacial do eleitorado pró-Bolsonaro se manteve quase inalterado em quatro anos.

Todos esses exemplos servem para mostrar como a Demografia caminha lado-a-lado com outros campos das ciências sociais; e não apenas com as ciências políticas, mas também a sociologia, a antropologia, a geografia, o planejamento urbano etc. 

PERGUNTA 3) Como você enxerga o papel da demografia formal ou matemática na formulação de políticas públicas e na compreensão das dinâmicas populacionais contemporâneas?

Sim, a demografia formal é de suma importância para a compreensão de dinâmicas populacionais e na elaboração de políticas públicas, com certeza.

Estudiosos da migração tapem os ouvidos por hora…rsrs. Acho muito interessante a ideia e o que Jim Vaupel costumava dizer: “…Para compreender o desenvolvimento a longo prazo das populações, ou as histórias de vida dos indivíduos, diz Vaupel, “é necessária uma base matemática sólida”. Ao interpretar as relações entre fenómenos demográficos complexos, Vaupel aconselhava frequentemente os pesquisadores a voltarem aos princípios básicos de “nascimentos, mortes e matemática”. Brincadeiras à parte, claro, reconheço também o importante papel que os estudos migratórios possuem na compreensão de dinâmicas populacionais e no apoio a políticas públicas, e também destaco as grandes contribuições da Demografia nas áreas de Planejamento Urbano e na Geografia.

Porém, também concordo com a visão do Vaupel que embora a Demografia reúna muitas disciplinas e inclua abordagens metodológicas das ciências humanas e sociais, bem como da medicina e da biologia, é a metodologia matemática que é muitas vezes a chave para resolver problemas demográficos. Portanto, pensando no papel da Demografia formal na formulação de políticas públicas, gestores normalmente trabalham com números, e ter bom conhecimento de métodos quantitativos é um pré-requisito importante para jovens demógrafos e cientistas sociais de uma maneira geral, acredito. Ainda, fazendo uma ponte com sua primeira pergunta sobre temas atuais e futuros, com a expansão da nossa área para o mundo do big data e aprendizado de máquina, diria que é importante as novas gerações de demógrafos investirem cada vez mais no aprendizado de métodos quantitativos e computacionais. 

PS: Sobre um dos pontos que o professor Everton Lima citou: “Pronatalistas querem ter uma penca de filhos para não depender de imigrantes”. https://g1.globo.com/bemestar/blog/longevidade-modo-de-usar/post/2024/05/28/pronatalistas-querem-ter-uma-penca-de-filhos-para-nao-depender-de-imigrantes.ghtml

O Blog dos Estudantes em Demografia da Unicamp agradece a participação do professor e pesquisador Everton Lima na série Três Perguntas aos Demógrafos.

Siga o Blog dos Estudantes no Instagram: @demografiaunicamp

Deixe um comentário