Edição do Jornal da Unicamp traz três reportagens da Demografia

O Jornal da Unicamp da edição de  9 a 15 de dezembro traz três reportagens sobre estudos feitos no âmbito do Programa de Pós-graduação em Demografia sob coordenação dos professores Rosana Baeninger e José Marcos Pinto da Cunha. Reproduzimos abaixo as matérias na íntegra.

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1) Atlas retrata dois séculos de imigração em São Paulo

Atlas retrata dois séculos de imigração em São Paulo

Obra integra coleção que detalha as dinâmicas sociais e econômicas dos processos migratórios

  • O Estado de São Paulo nunca deixou de receber contingentes de trabalhadores vindos de fora do país, mesmo nas décadas do século 20 em que tanto a população quanto a academia pareciam enxergar apenas a migração interna para o Estado, principalmente a originada no Nordeste, mostra o Atlas Temático do Observatório das Migrações em São Paulo, que está sendo lançado neste mês pelo Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp, em parceria com a Fapesp. Essa imigração internacional voltou a ter visibilidade a partir dos anos 90 do século passado, reavivando tensões e preconceitos.

    “O capital internacional precisa desses imigrantes, sejam eles qualificados ou não, mas a população não está preparada para enfrentar esses novos fluxos migratórios, particularmente porque são migrantes voltados para o mercado de trabalho”, disse a coordenadora do Atlas, Rosana Baeninger, socióloga e pesquisadora do Nepo, ao Jornal da Unicamp.

    Além do Atlas, que em mapas e gráficos cobre a entrada de estrangeiros – incluindo escravos – no território que hoje corresponde ao Estado de São Paulo de 1794 a 2010, também estão sendo lançados os oito volumes finais, de um total de 12, da coleção “Por Dentro do Estado de São Paulo”, também produzida pelo Nepo e pelo Observatório das Migrações. A coleção cobre, em detalhe, as dinâmicas sociais e econômicas dos processos migratórios. Alguns volumes da “Por Dentro do Estado de São Paulo” tratam de regiões específicas, como Campinas e Limeira, e outros debruçam-se sobre processos mais amplos, como as imigrações internacionais ocorridas após a Segunda Guerra Mundial e as migrações indígenas.

    Na produção do Atlas, foram consideradas imigrantes as pessoas nascidas fora do Brasil que se encontram no Estado – assim, por exemplo, as segundas e terceiras gerações de imigrantes, nascidas no Brasil, não são captadas pelos censos demográficos, pois se utiliza o quesito referente ao país de nascimento.

    Fluxo invisível

    “Um ponto importante que um projeto dessa envergadura, com olhar para mais de 100 anos, ajuda a ver é que, embora a partir de 1927 tenha acabado o subsídio à imigração no Estado de São Paulo, nós continuamos recebendo os imigrantes internacionais”, disse a pesquisadora. “Ocorre que, como a migração interna passou a ser mais volumosa que a migração internacional, nós deixamos de estudar a migração internacional”.

    A imigração internacional para São Paulo só volta a ser “visível” na virada do século 20 para o 21, com a chegada dos bolivianos, chineses, coreanos e, depois, haitianos, e o risco de uma xenofobia renovada em parte da população. “Os fluxos de imigrantes para São Paulo nunca pararam, mas eram menos visíveis, porque os estrangeiros estavam chegando junto de levas de migrantes internos que também sofreram com o preconceito: os baianos, os paraibanos”, explicou Rosana. “Esse foi também um objetivo do projeto, mostrar como a migração contribuiu para a formação social paulista. A metrópole de São Paulo, hoje, ela se reinventa, se reconstrói, com a presença imigrante”.

    As organizadoras do Atlas – além de Rosana, participaram as pesquisadoras do Nepo Roberta Guimarães Peres e Natália Belmonte Demétrio – explicaram ainda que a imigração, nos séculos 20 e 21, nem sempre está relacionada a uma crise no país de origem.

    “O imigrante estrangeiro que vem ao Brasil não está necessariamente fugindo de uma crise econômica. Isso muda muito depois dos anos 2000, particularmente, porque o Brasil vai entrar na rota do capital internacional. E as indústrias têm um forte componente nessa mobilidade internacional, os grandes centros financeiros, também”, disse Rosana. “Os bolivianos, por exemplo, começam a entrar no Brasil da década perdida, quando nós aqui estávamos em crise. As explicações para as migrações não estão nos destinos migratórios, ou na origem. Estão muito vinculadas à dinâmica da circulação do capital, à necessidade de mão de obra para essa circulação de capital”.

    Brancos e qualificados 

    O uso do imigrante europeu para “branquear” a raça brasileira pode não ser mais uma política governamental explícita, mas as organizadoras do Atlas relutam em afirmar que o problema racial vinculado à imigração ficou de vez no passado. “O próprio governo brasileiro hoje quer fazer políticas explícitas para atrair portugueses e espanhóis qualificados. Então, quem são os portugueses e espanhóis qualificados? Continuam sendo os brancos. Os europeus”, lembrou Rosana. “Na questão do haitiano, nós vamos precisar dar um visto humanitário. Então, assim, acho que essa questão ainda é muito presente, inclusive na visualização dos fluxos migratórios”.

    Dados oficiais podem sugerir que o Brasil passa por um “boom” de atração de mão de obra estrangeira qualificada, mas Rosana lembra que o trabalhador pouco qualificado e sem documentação tem tido importante participação em diferentes nichos econômicos no país. Contudo, passam pelo Ministério do Trabalho e se regularizam empresários, engenheiros, executivos. “Essas grandes empresas se articulam à mobilidade do capital e da força de trabalho,  sendo que diferentes contingentes imigrantes passam a compor uma mão de obra não qualificada, de baixo custo neste novo cenário brasileiro”, disse a pesquisadora.

    As questões étnica e social interferem na percepção do imigrante, e na xenofobia. “O boliviano que vem tem outra etnia, tem suas raízes indígenas. E nós ainda estamos muito presos na questão de que, para a nação, o imigrante é o europeu. Hoje nós temos muitos coreanos, chineses aqui, mas o japonês, quando chegou, enfrentou um preconceito muito grande, porque ele era uma outra raça”.

    Diferentemente da imigração do século 19, para as lavouras, a imigração atual é urbana, mostra o Atlas. “É nas cidades que as pessoas vão se defrontando, hoje, com a migração muito mais visível: ela é latino-americana, é chinesa, é coreana– então o estranhamento é muito mais frequente hoje, porque somos de segunda, de terceira geração dos imigrantes do século 19. O mito da miscigenação ficou lá atrás”.

    O combate ao preconceito, disse Rosana, requer políticas públicas para melhorar a qualidade de vida dos imigrantes pouco qualificados, que chegam como mão de obra barata. “Tem de haver políticas públicas pensadas para as imigrações internacionais, para que essas pessoas não fiquem em condições de vida tão precárias que façam com que a população pense que a migração está trazendo problemas, quando é o contrário: ela está trazendo um excedente populacional que vai gerar riqueza naquele lugar. Riqueza para o capital, claro”.

    Ela acredita que é preciso reconhecer que o Brasil entrou de vez na rota das migrações internacionais. “Não podemos querer só o migrante qualificado, o português, o espanhol, o médico, o engenheiro que vem para cá e vai ter todas as condições de permanecer no Brasil. Temos de ter políticas migratórias que contemplem a diversidade de situações que o país está vivenciando, garantindo a governança das migrações internacionais e os direitos humanos”.

    Guaranis

    Um dos livros da coleção “Por Dentro do Estado de São Paulo” trata das migrações de índios guaranis no Estado de São Paulo. O volume, intitulado “Povos Indígenas; mobilidade espacial”, organizado por Rosana Baeninger e pela ex-presidente da Funai Marta Maria do Amaral Azevedo, descreve como, desde meados do século 19, índios guarani vêm migrando da Argentina e do Paraguai para o litoral paulista, em busca de uma “Terra Sem Males”.

    Além disso, o trabalho constata um aumento da população guarani no Brasil, saltando de 20 mil no período 1981-1985 e chegando a 51 mil em 2007-2008, de acordo com estimativas. “Para eles, toda essa área, Paraguai, centro-sul do Brasil, é um território só”, explicou Rosana. “O que mostra para nós, na questão dos povos indígenas, que não podemos delimitar os processos migratórios no território com o nosso olhar. Tem que ser com o olhar dos sujeitos, dos sujeitos migrantes. Eles nem se consideram migrantes”.

    A primeira fase do Observatório das Migrações em São Paulo, que se fecha com a publicação dos oito volumes finais da coleção e do Atlas, envolveu 16 estudos temáticos, que além dos 16 pesquisadores responsáveis contaram com a participação de 36 estudantes de graduação e pós. Além da Unicamp, estiveram envolvidas também Unesp, UFSCar, Unifesp e Faculdade Anhembi-Morumbi. O Observatório agora deve entrar numa segunda fase, mais voltada para as migrações contemporâneas no Estado. A primeira fase deu origem a 192 trabalhos apresentados em congressos nacionais, 102 em congressos internacionais, a 15 defesas de mestrado e a nove doutorados, envolvendo um total de 87 autores, e se estendeu de 2009 a 2013.

2) Intensificação de movimento pendular agrava desarranjo espacial na macrometrópole de SP

Pesquisa aponta que três milhões de pessoas se deslocam regularmente para trabalhar e estudar em quatro regiões metropolitanas paulistas

 

O desarranjo entre os lugares de residência, as atividades de trabalho e de estudo tem determinado nos últimos anos um aumento expressivo no fenômeno denominado pelos demógrafos de mobilidade pendular. A auxiliar de limpeza Tatiane de Oliveira Mattos, 27 anos, e o profissional de tecnologia de informação (TI) Giovani Senno, 32 anos, integram este contingente, embora caminhem em sentidos opostos.

Tatiane deixa os dois filhos com o marido e desloca-se, diariamente, de sua residência em Hortolândia, no interior de São Paulo, para a vizinha Campinas, onde conseguiu há quatro meses seu primeiro emprego numa empresa de prestação de serviços na área de limpeza e manutenção. São cerca de 30 quilômetros de viagem “tranquila, quando o trânsito ajuda”.

Giovani faz o trajeto inverso. Ele atua numa multinacional instalada no parque industrial de Hortolândia, município de 200 mil habitantes da microrregião de Campinas. Assim como Tatiane, o profissional de TI já se habituou à viagem diária, feita “numa boa, com ônibus fretado cedido pela empresa”.

A intensidade cada vez maior da mobilidade pendular no Estado de São Paulo é uma das principais revelações das investigações conduzidas por pesquisadores do Núcleo de Estudos de População (Nepo) da Unicamp. Estimativas dão conta de que três milhões de pessoas em idade ativa (acima dos 15 anos) movimentam-se regularmente para trabalhar e estudar entre os 173 municípios paulistas que compõem quatro regiões metropolitanas – Baixada Santista, Campinas, Litoral Norte, Vale do Paraíba e São Paulo. O número toma como referência o Censo Demográfico de 2010, produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Enquanto a média do crescimento populacional destas regiões, entre 2000 e 2010, manteve-se em torno de 1% ao ano, os movimentos pendulares subiram nove vezes além. O deslocamento de pessoas para trabalho ou estudo sofreu um incremento de 76% nos anos 2000, período de emergência das regiões metropolitanas. Para o demógrafo José Marcos Pinto da Cunha, pesquisador do Nepo e um dos autores do estudo, é cada vez mais comum este deslocamento das pessoas entre duas cidades que, não necessariamente, precisa ser diário, mas regular.

“As experiências e histórias dos processos de ocupações das regiões metropolitanas mostram que não há muita preocupação no sentido de tornar mais eficaz a mobilidade da população. O grande desafio atual é reduzir essa mobilidade das pessoas e tentar fazer programas para aproximá-las das suas atividades, seja de trabalho ou estudo. E não é isso que temos visto infelizmente”, avalia.

O demógrafo da Unicamp afirma que o fenômeno da pendularidade espelha processos de ocupações desiguais do espaço. Os lugares onde as pessoas moram dependem muito mais do nível aquisitivo e dos interesses do mercado imobiliário do que propriamente das ações governamentais, critica José Marcos da Cunha, que atua como docente do Departamento de Demografia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH) da Unicamp.

“A pendularidade reflete a expansão das atividades econômicas, envolvendo quem é capaz de desenvolver tais atividades. O Estado, em qualquer dos níveis de atuação, tem feito muito pouco no sentido de romper essa apropriação desigual do espaço urbano, que temos observado desde sempre. Tem um passivo muito grande. Ele pode ser solucionado, mas não é de fácil solução”, expõe.

Hortolândia, situada às margens da Rodovia Anhanguera (SP 330), é um exemplo para a compreensão da intensidade do fenômeno, que envolve, no plano externo, as regiões metropolitanas e, no plano interno, as cidades de referência dos territórios metropolitanos. Cerca de 40% da população do munícipio é pendular, de acordo com o pesquisador da Unicamp.

“Essa mobilidade é muito mais intensa no nível interno das regiões metropolitanas. Hortolândia tem um cruzamento ‘interessante’ com Campinas. Enquanto os profissionais mais qualificados que moram em Campinas, Vinhedo ou Valinhos estão indo para estas grandes empresas instaladas em Hortolândia, a população de baixa renda de lá está vindo para Campinas trabalhar na cidade”, exemplifica.

Dos três milhões de pessoas que se deslocaram em 2010, cerca de 80% o fizeram nas cidades pertencentes às mesmas regiões metropolitanas, ou seja, no nível interno. Em 2000, este índice era ainda maior, chegando a 85,5% do total de deslocamentos. Mesmo sendo em volume inferior, a pendularidade no nível externo, entre cidades de diferentes regiões metropolitanas, apresentou crescimento de mais de 131%, entre 2000 e 2010, passando de 323 mil pessoas para 539 mil.


O caso do “treme-treme”

O pesquisador do Nepo aponta que o desafio está no sentido de o poder público não somente regular a ocupação do espaço urbano, mas intervir na forma de ocupação. “Por que surge Hortolândia, Monte Mor e Sumaré? Porque Campinas não tem, há muito tempo, uma política de loteamentos populares. Podem dizer que isso existe na região do Campo Grande, mas boa parte são ocupações. Não é para menos que o município de Campinas é um dos campeões de ocupações no Brasil. Se o poder público não dá direito à cidade, as pessoas ocupam”, considera.

José Marcos da Cunha lembra o caso dos edifícios São Vito e Mercúrio, residenciais de grande porte instalados no centro da capital paulista. Nos últimos anos os prédios foram desapropriados e demolidos pela Prefeitura de São Paulo. Localizados na Avenida do Estado, eles possuíam 27 andares cada um e, segundo o docente, uma potencialidade enorme para a moradia popular. O São Vito, conhecido como “Treme-Treme”, foi um dos edifícios mais suntuosos da cidade na década de 1950.

“Estes residenciais estavam localizados em frente ao Mercado Municipal de São Paulo. Havia um plano de ocupá-los com a população de baixa renda, ou seja, um plano ideal, porque a localização é excelente para as pessoas que trabalham na região. Imagina o que significaria aquilo para população de baixa renda que sai das áreas da periferia e leva mais de duas horas de ônibus e metrô para chegar ao trabalho? Seria um pingo no oceano, mas já era uma alternativa. Viabilizar a ocupação de áreas centrais para os mais pobres é um grande passo. O poder público tem condições de fazer isso”, sustenta o estudioso.

O Estatuto da Cidade (lei 10.257), em sua opinião, está entre os instrumentos de regulação e intervenção do espaço urbano mais modernos do mundo. “Este instrumento permite que o poder público desaproprie e declare áreas de interesses sociais. O problema é que, no legislativo e no executivo, os interesses imobiliários são fortíssimos. O poder público poderia, portanto, usar estes prédios, mas eles podem virar um shopping ou um estacionamento. O interesse imobiliário prevaleceu”, lamenta.

Macrometrópole 

O pesquisador do Nepo informa que o objetivo do estudo desenvolvido na Unicamp é diagnosticar as tendências e características da mobilidade pendular nas quatro regiões metropolitanas de São Paulo. Foram utilizadas informações disponíveis nos Censos de 2000 a 2010 produzidos pelo IBGE.

As pesquisas são resultados de uma parceria com a Empresa Paulista de Planejamento Metropolitano SA (Emplasa), órgão vinculado à Secretaria de Desenvolvimento Metropolitano do Estado de São Paulo. Também participaram do trabalho, além de José Marcos, o economista e pesquisador do Nepo Sergio Stoco; o geógrafo Ednelson Mariano Dota, docente da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Campinas e doutorando da Unicamp; e as gestoras Rovena Negreiros e Zoraide Amarante Itapura de Miranda, da Emplasa.

“O diagnóstico certamente contribuirá para avaliar o processo de interação e complementariedade socioespacial que se desenvolvem entre as aglomerações urbanas. O estudo desse fenômeno pode contribuir para o diagnóstico do processo de estruturação desses espaços e, sobretudo, para mitigar deficiências existentes em termos de política habitacional, de transportes, de saúde, educação”, justifica o docente da Unicamp.

Ele acrescenta que a partir do processo de integração e complementaridade destas regiões metropolitanas, a Emplasa passou a trabalhar com uma nova categoria espacial, denominada pelo órgão como macrometrópole paulista. Formada por estas quatro regiões metropolitanas (Baixada Santista, Campinas, Litoral Norte, Vale do Paraíba e São Paulo), a macrometrópole constitui-se numa das maiores aglomerações urbanas do país.

A emergência e o reconhecimento desta nova categoria espacial é relevante para a compreensão de novas tendências que possuem implicações socioespaciais e demográficas importantes, avalia José Marcos da Cunha. “Apesar de não perderem suas características, funções e especificidades, as regiões metropolitanas estão cada vez mais integradas, dependentes e complementares em suas funções, inclusive do ponto de vista demográfico. Todos estes aspectos repercutem também numa mobilidade da população, seja residencial, de caráter definitivo, ou pendular”, confirma.

Ainda de acordo com o demógrafo, a intensidade dos deslocamentos regulares nesta macrometrópole transformou as grandes autoestradas da região – como as rodovias dos Bandeirantes (SP 348), Ayrton Senna (SP 70), Castelo Branco (SP 280), dos Imigrantes (SP 160) e Dom Pedro I (SP 65) – em verdadeiras ‘avenidas’, em razão do grande fluxo de pessoas, bens e serviços.

“Quando a Castelo Branco foi inaugurada, era uma autopista fantástica. E o Alphaville de São Paulo estava na sua margem. Agora, a Castelo Branco é uma grande avenida, você não consegue andar em determinados horários. E o Alphaville já começa a trazer escritórios para perto dele; e muita gente já vive de helicóptero para cima e para baixo”, especifica.

A articulação e integração são tão intensas entre as cidades da macrometrópole paulista que seus principais problemas só podem ser resolvidos de maneira integrada, sugere o pesquisador do Nepo. “O metropolitano não existe como nível de organização e de execução. As regiões metropolitanas ficam meio ‘capengas’ neste sentido. Portanto, a Emplasa tem um papel interessante no sentido de mostrar que o recorte metropolitano é importante para cada um dos municípios. Os prefeitos tendem a se concentrar muito nas questões administrativas, esquecendo que os problemas dos seus municípios também estão relacionados à região como um todo.”

Conforme dados do IBGE de 2009 e 2010, vivem na macrometrópole paulista mais de 30 milhões de pessoas, o equivalente a 70% da população do Estado de São Paulo. A região é responsável por mais de 80% do Produto Interno Bruto (PIB) paulista e 28% do PIB brasileiro. A disparidade também é acentuada: quase três milhões de pessoas residem em condições precárias de moradia, como favelas, ocupações e áreas de risco.

Este grande território urbano ocupa 20% da superfície do Estado de São Paulo, concentrando municípios situados em um raio aproximado de 200 quilômetros a partir da capital. Uma condicionante para a sua formação está na desconcentração industrial da região metropolitana de São Paulo, o principal polo industrial do país. Este processo iniciou-se a partir da década de 1970. Conforme os estudos do Nepo, o fenômeno se dá também pela reestruturação produtiva pós 1990, que substitui a concentração dos empregos industriais pela maior participação do setor de serviços.

Futuro 

As investigações sobre a pendularidade na macrometrópole paulista serão incrementadas, no futuro, com resultados de outro estudo em andamento produzido pelo Nepo. Trata-se de uma análise sociodemográfica a fim de mapear o perfil da população que está inserida neste fenômeno.

Não é difícil encontrar pessoas que passam boa parte do seu dia a dia em deslocamentos de casa para o trabalho ou estudo. Os relatos da auxiliar de limpeza Tatiane Mattos e do profissional de TI Giovani Senno, demonstram que o fenômeno, cada vez mais intenso na atualidade, é, de certo modo, aceito como uma condição natural pela população.

“Eu moro em Hortolândia há seis anos. Antes, estava em Sumaré, mas aí meus pais se mudaram, eu me casei e fui para Hortolândia também. Para vir ao trabalho, levo uns 35 minutos, para voltar demoro mais, uns 50 minutos. A viagem não é cansativa, já me acostumei. Meus filhos, um de oito anos e outro de um ano e oito meses, ficam com o meu esposo”, descreve Tatiane.

Giovani Senno conta que morava com os pais no bairro Jardim Nova Europa, na região sul de Campinas. “Acabei me mudando recentemente para a região do Swift. Comprei um apartamento há três anos e, quando terminei de mobiliá-lo, me transferi para lá. A companhia fornece transporte fretado para toda a região e em muitos horários, então, isso facilita bastante”, justifica.

Colega de Tatiane, a auxiliar de limpeza Roseane da Silva, 37 anos, também não se incomoda com o percurso diário de Sumaré a Campinas. “Não é tão complicado vir para Campinas, têm o fretado e um ônibus circular direto, apesar de ser de hora em hora. Acaba sendo ruim por causa disso, mas não me incomoda não. Eu sempre trabalhei em Campinas, sempre busquei as oportunidades aqui”, revela.

Karina de Oliveira Souza, 27 anos, mora e trabalha na mesma cidade, em Campinas. Ela, porém, leva mais tempo para voltar para a sua residência do que as colegas Tatiane e Roseane. “Eu moro do outro lado da cidade, no Jardim Bassoli, para frente do Campo Grande. Se tivesse um emprego mais perto de casa seria melhor para poder ficar mais tempo com meus filhos. Demoro uma hora para voltar para casa, mas não acho ruim não”, conforma-se a jovem que atua na empresa prestadora de serviços no distrito de Barão Geraldo, região norte de Campinas.

Substituição de gerações

Uma das explicações para a explosão dos movimentos pendulares, apesar do baixo índice de crescimento populacional, é o que o demógrafo José Marcos da Cunha chama de substituição de gerações.  Além disso, o fenômeno adquire autonomia em relação ao crescimento demográfico em razão de mudanças nas formas de uso e ocupação do solo urbano, seja em termos demográficos ou mesmo econômico.

“A questão da substituição de gerações é interessante para entender a intensidade dos movimentos pendulares. O exemplo é uma família formada pelo marido, a mulher e dois filhos de 15 e 16 anos. Esses filhos vão ter que buscar algum lugar para morar em breve. Mesmo que a população não cresça tanto em intensidade, eles vão sair das casas dos pais. Ao deixarem as casas dos pais, eles dificilmente vão ter condições de ficar no mesmo lugar, no mesmo bairro, a não ser que sejam muito ricos. Portanto, este processo de substituição de gerações acaba modificando a cidade”, ilustra.

Há também que se considerar o fator da urbanização dispersa, conforme explica o estudioso. “A urbanização dispersa tem impacto decisivo sobre essa mobilidade. Há uma tendência dos condomínios fechados para a população de alta renda. Alguns estudiosos chamam isso de ‘novas periferias’. É o caso de Vinhedo, que está numa posição privilegiada por estar perto de Campinas e de São Paulo. Muita gente escolhe morar ali, eles têm essa possibilidade… Há um conjunto de elementos que influenciam novas tendências de urbanização, como custo de vida, segurança, qualidade de vida, entre outros.”

Publicação

CUNHA, J.M.P.; STOCO, S.; DOTA, E.M.; NEGREIROS, R.M.C.; MIRANDA, Z.A.I. A mobilidade pendular na macrometrópole paulista: diferenciação e complementariedade socioespacial. Cadernos Metrópole, 15 (30):, 2013.

3) Novos processos, novos migrantes

Tese de economista analisa a imigração brasileira na França após 1980

 

Malas e documentos na mão. Hospedagem. Dinheiro  depositado na conta. Seguro-saúde e todas as condições para morar na França. Não é todo migrante que deseja estabelecer residência no país que consegue preencher todos esses requisitos necessários. Nem essa história ideal pode ser compartilhada por todos os brasileiros que pretendem morar lá.

Um físico brasileiro que sai do Brasil para fazer um pós-doutorado em Paris vive uma experiência completamente diferenciada de um mestre de capoeira que vai para Marselha para trabalhar nessa atividade. Analisar um fluxo exige olhar para a diversidade dos projetos migratórios, porque os processos sociais que viabilizam as migrações não são os mesmos.

“Vivemos atualmente numa época em que a mobilidade humana aumentou e ficou mais complexa, um contexto no qual surgem ‘novos migrantes’ e ‘novas lógicas migratórias”, ressaltou Gisele Maria Ribeiro de Almeida em sua tese de doutorado em Sociologia defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH).

Segundo a autora do estudo, graduada em Economia pela Unicamp e que “migrou” para a Sociologia, um estudante, um trabalhador de baixa qualificação e um executivo não chegam à França pelo mesmo caminho e nem debaixo das mesmas condições, por isso “as modalidades migratórias são importantes, porque revelam os diferentes processos que viabilizam essas migrações”.

A tese, de mais de 400 páginas, mostrou que muitos brasileiros não saíram do Brasil com a ideia de ir exatamente para a França. Mudaram seus planos na medida em que não conseguiram entrar no país desejado. “Há casos em que o objetivo era ir para o Reino Unido mas, em razão das barreiras da imigração britânica, acabaram ficando na França”, lembrou.

O principal obstáculo ao deixar o país, segundo a autora da tese, é jurídico, pois os países adotam restrições à imigração. Mesmo no caso dos estudantes que são a princípio bem-vindos pela política migratória francesa, é preciso preencher uma série de exigências para conseguir vistos de permanência. E quem vai trabalhar também necessita de visto.

Os profissionais altamente qualificados geralmente são disputados por políticas migratórias seletivas, ao passo que trabalhadores com pouca ou baixa qualificação tendem a viver na França sem documentos. Entre os trabalhadores de pouca ou baixa qualificação, a maioria dos homens trabalha na construção civil enquanto as mulheres exercem, na maioria dos casos, atividades ligadas à economia do cuidado, atuando na faxina, como manicures, baby-sitters, etc.

História

A tese de Gisele buscou analisar a imigração brasileira na França após 1980, em função de ter sido a partir daí que o país registrou fluxos de emigração decorrente dos efeitos da crise econômica que nessa década assolou o Brasil.

No início, os países que mais receberam brasileiros foram principalmente os Estados Unidos, Japão e Portugal. No entanto, a formação do espaço de livre circulação europeu, a não exigência de visto para brasileiros que viajavam na condição de turistas, o aumento dos obstáculos à imigração nos Estados Unidos após o “11 de setembro” foram aspectos que implicaram em novas oportunidades e constrangimentos para os emigrantes brasileiros.

De acordo com a estudiosa, no que diz respeito à França, o tipo histórico da imigração brasileira no país até 1980 era dada pela mobilidade estudantil. O fluxo começou depois da Independência do Brasil (1822), quando brasileiros, financiados pelo recém-formado Estado, receberam bolsas para estudar lá a fim de voltar e formar quadros para atuar em organismos públicos.

Surgiu aí uma raiz que alimentou fortes vínculos acadêmicos, intelectuais e científicos. Tanto que até hoje há um número significativo de estudantes brasileiros na França. Conforme dados da Capes e do CNPq, para a primeira década do século 21, a França está entre os três países que mais recebem bolsistas brasileiros no exterior.

No entanto, a pesquisa encontrou perfis diferenciados de brasileiros que vivem na França. De acordo com Gisele, o fluxo Brasil-França após 1980 é uma evidência de como o tipo “migração internacional” vem sendo composto por um mosaico de modalidades migratórias, dada à presença da de trabalhadores altamente qualificados, de trabalhadores manuais, da circulação estudantil, dos deslocamentos motivados pela afetividade, dos fluxos de refugiados, entre outros.

Este cenário trouxe à tona a questão das diferentes “faces do fenômeno migratório” e dos ganhos analíticos obtidos com a incorporação das modalidades migratórias, um referencial teórico que vem sendo trabalhado também pela pesquisadora Rosana Baeninger, orientadora da pesquisa.

A doutoranda teve financiamento da Fapesp e sua pesquisa estava ligada ao projeto temático “Observatório das Migrações em São Paulo”, coordenado por Rosana Baeninger. Gisele também obteve uma Bolsa de Estágio e Pesquisa no Exterior (Bepe) da Fapesp. Foi para a Université Aix-Marseille 3 em 2012 e permaneceu seis meses na França para fazer sua pesquisa de campo.


Achados

A tese reforçou a questão da complexidade em torno das chamadas “migrações internacionais contemporâneas” e demonstrou que o uso analítico das modalidades migratórias é uma forma de permitir o reconhecimento do caráter multifacetado desses processos atuais.

A partir de uma leitura sociológica, a tese apontou para a importância de se combinar os condicionantes macroestruturais que impelem e viabilizam as migrações com os interesses e as estratégias dos agentes que migram para o entendimento dos deslocamentos.

Se existem diversos perfis de brasileiros, porque são agentes que ocupam diferentes posições no espaço social, eles não vão conceber projetos migratórios da mesma forma. “Esses projetos vão reverberar e assumir caráter de modalidades migratórias específicas, como as dos estudantes e dos trabalhadores, que no estudo foram classificados na modalidade estudantil e na modalidade laboral respectivamente”, explicou.

Gisele chegou a esses dados realizando um estudo com 102 brasileiros. Destes, 86 foram entrevistados enquanto ela estava na França e 16 foram entrevistados no Brasil. Destes, 14 eram os “retornados” porque viveram na França e voltaram ao Brasil, mas houve dois casos nos quais os entrevistados viveram na França e estavam morando em um terceiro país quando foram entrevistados.

Ao focar os projetos migratórios, o estudo procurou apontar como os variados perfis de migrantes elaboram seus planos de emigração em razão da diversidade de situações, a depender da posição social do potencial migrante, e os diferentes níveis de autonomia e constrangimento que se colocam.

A saída do país e a instalação na sociedade receptora, averiguou, também assume especificidades, dependendo do perfil do migrante. Para isso, Gisele construiu cinco modalidades migratórias: migração de profissionais altamente qualificados, migração estudantil, migração laboral, migração afetiva e migração “cosmopolita”.

Os profissionais altamente qualificados foram subdivididos em executivos vinculados às empresas multinacionais e cientistas. No caso de estudantes, ela considerou aqueles que vão à França a princípio para estudar. Na migração laboral foram considerados trabalhadores de pouca ou baixa qualificação que foram para a França em busca de uma vida melhor.

Gisele apurou que no momento a maior necessidade de mão de obra feminina está concentrada nas atividades de cuidados: setores de limpeza, cuidados com crianças e idosos, manicures. Do ponto de vista de atividades artísticas, destacou a atividade de bailarina entre as mulheres e professores de capoeira e músicos entre os homens. Também verificou um fluxo antigo de transexuais que trabalham no mercado de sexo.

De acordo com Gisele, foram incluídos na modalidade migração afetiva, os deslocamentos motivados “por amor”: brasileiras que foram acompanhando seus cônjuges brasileiros transferidos para a França e também brasileiros(as) que se casaram com franceses e por causa disso migraram para a França.

Por último, a migração “cosmopolita” envolveu pessoas que migraram pelo desejo de conhecer uma nova cultura. A maioria tinha cidadania europeia por origem familiar. Então não sofreram as restrições das políticas migratórias.

Ao ser indagada se é um bom negócio viver na França, Gisele responde que, se o objetivo é ganhar dinheiro, os entrevistados disseram que o país não é este lugar. A vida pode ser até um pouco mais difícil e levar a uma perda de status.

Ela conversou com uma jornalista que trabalhava em uma revista no Brasil e que na França foi garçonete e babá. E também com uma economista que era professora universitária no Brasil e que estava fazendo faxina na França para se manter enquanto fazia o doutorado, pois não tinha bolsa de estudos. “Então têm muitos aspectos em jogo, além do financeiro”, garantiu.

Publicações

Artigos

ALMEIDA, G.M.R. “Os brasileiros na França”. Revista Ideias, nº 2, 2011, p. 43-57, IFCH-UNICAMP, Campinas. Disponível em: ifch

ALMEIDA, G. M. R. de. “Circulação estudantil e imigração brasileira na França”. In: BAENINGER, Rosana (org) Migração internacional. Campinas: Nepo/Unicamp, 2013. p. 205-221 Disponível em:  nepo

ALMEIDA, G. M. R. de. “A integração dos imigrantes brasileiros na França”. Revista Travessia, nº 72. São Paulo: CEM, janeiro-junho 2013. p.19-30

Tese: “Au revoir, Brésil: um estudo sobre a imigração brasileira na França após 1980”
Autora: Gisele Maria Ribeiro de Almeida
Orientadora: Rosana Baeninger
Unidade: Instituto de Filosofia e Ciências Humanas (IFCH)
Financiamento: Fapesp

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